terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Maldito vizinho




Em uma noite tediosa, Dr. Manhattan olha pela janela de seu apartamento (que fica em Manhattan) e, num impetuoso acesso de indiferença, resolve desligar todas as luzes da rua à sua frente. Alguns segundos depois, ele ouve um grito vindo da rua:

- AAAAAHHHHHH! MINHA PERNA! ROUBARAM A MINHA PERNA! E ela ainda nem foi paga...

Assustado e repentinamente ciente das consequências de sua insensatez, ele faz a luz retornar – e evita usar a expressão “Faça-se a luz!”, não por humildade, mas sim, para evitar comparações. Porém, novamente assolado pela onipotência inerente à sua natureza, resolve fazer o planeta desaparecer. A se ver sozinho, vagando sem rumo em meio a uma miríade incontável de estrelas contidas em um universo teoricamente infindável, um único pensamento se forma sua mente:

- Acho que vou vomitar.

Para evitar um possível constrangimento, o Dr. resolve trazer o planeta de volta e retorna ao seu apartamento. Só por diversão, ele o faz desaparecer e voltar mais algumas vezes. Quando estava se preparando para fazer isso de novo, é surpreendido por fortes batidas na porta. Aborrecido, ele pergunta:

- Quem é?

Uma voz desdenhosa responde:

- Aaahhh... Mas não é você o sujeito que sabe o Futuro não, hein?

Irritado, o Dr. abre a porta. Parado no corredor está um homem baixinho, narigudo e de meia idade, segurando uma toalha em uma das mãos. O alterado vizinho pergunta:

- Foi você, não foi?

- Fui eu o quê, verme humano?

- Humano não, hein? Olha como fala! Foi você que fez esse negócio do planeta ficar indo e vindo, feito banda de heavy metal oitentista que já deu o que tinha que dar e ainda não se tocou disso, não foi?

- Você já criou metáforas melhores anteriormente. Bons tempos. E sim, fui eu que fiz o planeta desaparecer e voltar algumas vezes. Algum problema nisso?

- Ah, eu sabia. E eu sou famoso, viu? Não tenho mais de ser engraçado. É que no momento em que estava fazendo esse negócio do planeta ir e vir, ir e vir...

- Sim?

- EU ESTAVA FAZENDO A BARBA! E me cortei todo! Olha só!

- Poxa. Mas que coincidência infeliz, não é mesmo?

- Sim, porque... Espere um pouco... Não é você que vive dizendo que não existem coincidências e que sabe o futuro já que o passado, presente e futuro são uma coisa só? Então já sabia que eu ia fazer a barba naquele instante e fez o que fez de propósito?

- Acha mesmo que eu faria o planeta desaparecer apenas para prejudicá-lo? Seu ego é maior do que o...

- Seu, Dr.? Sua indiferença com a raça humana é uma... 
    
- Tragédia maior do que os seus últimos filmes? Ah... Viu como é bom interromper as frases alheias? He, he.

- Meus filmes tratam da fragilidade inerente à condição humana e da eterna busca à resposta da maior pergunta já feita pela humanidade...

- Hmm... Seria ela “Porque o cantor brasileiro Roberto Carlos nunca tira foto de bermuda?”...

- Nada disso, seu metido. Eu me refiro a “Qual o sentido da vida?”.

- Ela termina.

- O quê?

- A resposta é essa. A vida termina. Aproveite enquanto pode.

- Mas é só isso? Simples assim?

- Pra vocês... SIM! He, he. Isso é melhor que videogame...

- Aaahhhh... Se divertindo à custa do sofrimento alheio? Onde é que já se viu...

- Sim. O mesmo que você com o pessoal que assiste seus filmes! Há! Poxa vida. Eu vou ter um troço.

- Se você não tem sensibilidade suficiente para apreciá-los, azar o seu, Dr. . Pelo menos eu não fico fazendo bilhões de pessoas desaparecerem só por capricho.

- Bilhões, é? Tanto assim? Caramba.

- Você... Trouxe todo mundo de volta de... De onde foi que você mandou todo mundo mesmo?

- E eu sei lá, oras? Eu só desejo algo e as coisa acontecem. Como é que eu vou saber pra onde todo mundo foi? E, pensando bem... Tinha gente demais mesmo. Olha só o Canadá. Os caras são tão chatos que até o Hugo Chaves evita entrar lá. E o Paquistão...

- O que é que tem o Paquistão?

- Tem um cheiro estranho.

- Mas... Mas...

- Tá bom, tá bom... Se quiser, eu crio uma cópia minha e a mando se teleportar pelo mundo inteiro pra ver se todo mundo voltou são e salvo, está bem assim?

- Está. Acho que isso seria o que se pode chamar de uma verdadeira... He, he... Autoajuda.

- Definitivamente, você já criou piadas melhores. Agora vá indo antes que eu resolva trocar sua capacidade cognitiva com a de um fã do Eminen.

- He, he. Você é muito engraçado, Dr. . E. Não está rindo. Bem... Eu... Vou indo... Até qualquer hora.

- Sim. Pode ir. E cuidado com a escada.

- Escada? Que escada? Qual escada? De que prédio? Me responda, seu...

O Dr. fecha a porta e comenta:

- Esse Woody Allen é um chato. 

9 comentários:

  1. Olá, grande amigo Jacques!
    Que bom está de volta!
    Não é à toa que o cara vive mudando o mundo, pois esse seu vizinho é realmente muito maçante e inoportuno.
    Ao ler o texto, lembrei-me desta frase:
    "Se o vizinho é bom, o sono é melhor".
    (Murillo Leal)

    Parabéns por mais um texto eximiamente escrito e hilário!

    Abraços do amigo!

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  2. Maravilhoso seu texto Jacques.Que vizinho em? risos! Sempre muito eficaz nas palavra que escreve.
    Adorei te ver de volta.

    Estou voltando hoje, e tentando colocar tudo em dia.
    Ja estava com saudades de passar aqui.
    Beijos grande!

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  3. Estava sentindo saudades de seus textos inteligentes e cheios de humor. Nem o poder , nem a capacidade de visão, conseguem afastar as pessoas que não merecem nosso respeito. Se girarem o mundo, cairão bem perto de nós (rss).
    Bjs.

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  4. Jacques, kkkkkkkkkkk... não gostei da gracinha com a banda de Heavy Metal oitentista... ahhhhhhh! hahahaha

    Pô, suas indagações são óóótimas! Adoro, visse? Fquei aqui pensando, será que todos os vizinhos tem um super ego? Será que meus vizinhos pensam que eu tenho um super ego? Ah, mas até que eu tenho alguns aqui no prédio que são bacaninhas. Já outros... melhor nem comentar!

    Ahahhahahaha... Woody Allen?? Eita, não é fraco não, heim!?

    Sobre seu comentário lá no blog, eu só posso dizer que estou muuuuiito feliz com seu retorno à blogosfera. Vc fez uma falta danada por aqui, viu???

    Mudar o visual nem sempre é fácil mesmo... mas, por um tempo eu encarei como algo habitual! rs

    Ahhh, cabelo comprido em homens são um charme, ao meu ver. kkkkkkkkkk... eu ri do seu comentário. Nem devia ser um horror, como vc diz. rsrsrsrs

    Seja bem vindo de volta, viu!?

    bjks JoicySorciere => Blog Umas e outras...

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  5. Oi, Jacques!

    Há quanto tempo, rapaz! É bom tê-lo de volta! =D

    Eu lembro desse texto lá no Fantástico Cenário. É ótimo, muito bom relê-lo. Esse dr. Manhattan é uma figuraça! ( mas meus vizinhos, com exceção de um que ouve pagodão baiano todo o final de semana, são bons, são bons... deve ser porque a gente mal se vê. Pena que a vizinha que eu quero ver não aparece. Oh, vida, oh, céus!)

    Um abraço, Jacques! Um bom retorno!

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  6. Eu ri do comentário que me deixou. E não acredito que, ao escrever, não tenha um sentido real do que nos passa. Ainda que assim fosse, cada texto que lemos nos leva a uma interpretação imediata. E é ela que nos guia ao deixar manifestação sobre ele. Bjs.

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  7. oi Jacques não conhecia seu blog, gostei muito, bem sou fã de quadrinhos e é impossivel não rir desse texto que por sinal bem feito, mas em outra questão eu entendo o Dr. Manhattan tem vizinho que dá no saco e eu infelizemnte tenho desses que se acham o centro do mundo.

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  8. Isso é o que acontece quando dois egos inflados se encontram! hehe
    Muito bom esse diálogo. Rápido e inteligente.
    Alguns vizinhos são mesmo muito chatos e inconvenientes. Mas nesse caso, nem sei dizer qual o mais chato. O carinha que faz a Terra desaparecer ou o carinha que faz a barba enquanto isso acontece?
    hehe.

    Muito bom! Tenha um ótimo domingo. Abraço.

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  9. Também acho o Woody Allen um chato - rss.

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