quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Meus problemas, sua culpa

- Hmmm... Fale de sua infância.

- Foi normal. Eu atirava pedras nos cachorros, colocava embalagens de inseticida no fogo pra ver explodir, largava bombinhas dentro de potes de manteiga e os largava na valeta pra ver estourar. Coisas de criança...

- E você considera essa violência toda “normal”?

- Considerando o que eu assistia na tv, sim! E violência é o preço dessa consulta, isso sim! O senhor deveria pelo menos oferecer uns biscoitos ou uma água pros pacientes. Pode ser da torneira, mesmo.

- Já tentei isso. Os biscoitos só fizeram meus pacientes com bulimia salivarem descontroladamente e a água só deixou os pacientes anoréxicos nervosos, pois ficavam tentando calcular quantas calorias ela teria...

- Verdade? E esse pote de doces aí atrás do senhor?

- Mens sana in corpore sano, meu jovem. Mente sã em corpo são.

- Ah, entendi. Saco vazio não pára em pé, em linguagem de psiquiatra.

- Psicólogo, rapaz. Psiquiatras são os profissionais que administram drogas para os pacientes, algo que os psicólogos estão impossibilitados de fazer.

- Entendi. Psicólogo é como roqueiro antes da fama, e psiquiatra é o roqueiro depois dela.

- Essa sua mania – loucura, em grego – de reduzir tudo de forma simplista é o maior de seus problemas?

- Eu não tenho problemas, não. Eu vim aqui pra...

- A negação é o primeiro indício de problemas graves. Fale-me de sua mãe.

- Prefiro falar de meu pai. Ele sim tem problemas sérios...

- E quais seriam os problemas dele, rapaz?

- O senhor os quer em ordem alfabética? Deixa ver... Desatenção com os filhos e a família, complexo de superioridade, trocar o canal da tv sem pedir permissão a quem mais estiver assistindo, mas principalmente, referir-se a si mesmo na terceira pessoa do singular. Isso é o que mais irrita...

- Realmente? E ele faz isso sempre?

- Todo o tempo.

- Sério? E como você pode afirmar que ele faz isso sempre?

- PORQUE ESTÁ FAZENDO AGORA, PAI!

- Filho? É você? Eu nem tinha notado. E seu pai fala deste jeito para manter o distanciamento clínico necessário ao tratamento...

- Distanciamento clínico tudo bem, mas mandar abraços de feliz aniversário por e-mail aí já é um problema...

- Problema? Do que está falando? Não sei de nada disso...

- A negação é o primeiro indício de problemas graves. A mamãe também acha isso...

- Acha é? Pois a culpa é dela!

- Porque os psicólogos sempre culpam a mãe? Acho que quem faz isso é um filho da mãe de carteirinha...

- A culpa é dela, sim! Aquelas torradas que ela faz são tão duras que poderiam ser usadas nas brocas de perfuração de poços de petróleo! Eu fico nervoso ao tentar comê-las! Elas são tão duras quanto...

- Seu coração, pai?

- Aaaahhh... Essa doeu, filho. E parte da culpa também é de meus pais, sabia?

- Ah é, é? Porque?

- Porque eles queriam um filho atleta! E seu pai nunca conseguiu correr cem metros em menos de doze segundos...

- Mesmo? Não tinha jeito?

- NÃO COM ESSAS ORELHAS ENORMES! Culpa dos meus pais! MESMO!

- Mas não fique assim, pelo menos o senhor pode usá-las para ouvir melhor seus pacientes. He, he. Desculpe. Escapou.

- E é seu pai quem não tem coração, não é mesmo?

- Calma, calma, pai. Desabafe comigo, abra seu coração.

- Sério, filho? Seu pai pode fazer isso mesmo? Por onde começar?

- Hmmm... Fale de sua infância.



26 comentários:

  1. okasoasoasoksa
    Parece que os psicólogos absorvem os problemas dos outros e esquecem deles, é uma loucura. kkk'
    Muito bom esse diálogo!! =D

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  2. Oi Jacques, tudo bem amigo?
    Ótimo!
    Lembrei-me da imagem de minha dentista fazendo um tratamento de canal em seu dentista, e eu perguntei a ela:
    - Doeu muito?
    Isso, com minha boa inchada depois dela me torturar :)

    Quem é quem? Ninguém sabe, ninguém viu!

    Abraços e ótimos dias!

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  3. Olá Jacques!!!

    Muito bom!!
    Os psicólogos estudam tanto os problemas dos outros que na verdade são aqueles que mais tem problemas1
    Ora pois os pacientes enlouquecem os psicólogos também..vide o que Curinga fez com a Arlequina que a principio era sua psicóloga rs.
    Ah você disse tudo sobre Feitiço de Áquila..a trilha sonora é uma das coisas que adorei na obra, claro que o roteiro e a relação de amor entre o casal (interpretado por bons atores) torna o filme ainda mais fantástico. Sabia que alguns atores de mangá chegam a comentar sobre essa produção em suas obras? Fazem pequenas referências =).
    bjs!

    http://www.empadinhafrita.blogspot.com

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  4. hahahahahaha

    Genial Jacques!
    Me prendeu, me fez esquecer um dia exaustivo, me fez gargalhar.
    Criativo, Inteligente, fantástico!

    Ah! E não tem jeito de não sentir quando o tempo está curto, assim que leio as gentilezas e carinhos em meu blog, dá imensa vontade de retribuir os abraços em palavras que vocês me dão. Obrigada, sempre!

    Beijos!

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  5. rsrsrs

    Li sorrindo!!

    Parabéns pelas seus escritos sempre tão inteligentes, que prendem a nossa atenção desde a primeira frase!!
    Bj

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  6. Jacques, colocar o pai como psicólogo ou vice-versa foi uma grande sacada, foi digno de Millôr Fernandes.
    Minha professora de psicologia nos disse que os filhos de psicólogos são os piores que há, pois eles são maquiavelianos: "faça o que digo, mas não faça o que faço".
    Cara, a questão das torradas me fez ri muito.

    Parabéns pela perspicácia!

    Abraços!

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  7. rsrsrsrs...
    Que bacana esse conto; "em casa de ferreiro e mesa e de pau" -rs

    Abração,

    Rodrigo Davel

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  8. caro amigo,
    quantas vezes a rigidez dos papéis esconde as nossas verdadeiras fragilidades?
    na mouche, sempre com a lucidez e o sarcasmo habituais que tornam as tuas crónicas lugar de paragem obrigatória.
    abraço!

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  9. Jacques, embora seu talento nos faça ri do diálogo do bem-humorado texto, aliais, algo que o faz muito bem. Seria interessante realmente, se muitos pais se colocassem um pouco mais diante de seus filhos, quem sabe assim, juntos não encontrariam suas respostas. Admirável seu texto, Jacques. Um grande abraço.

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  10. Jacques parece-me também que os pais são mesmo os culpados, aqueles mais descuidados.
    Alguns dizem que são os filhos.
    Muito boa sua crônica.
    Fico com o parecer dela.
    Acho que você tem razão.
    Um abraço, amigo.

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  11. Laize,
    Realmente, psicólogos esquecem os próprios problemas ao se concentrarem nos outros.
    Da mesma forma que você deveria esquecer o Orkut.
    Valeu.

    Ana,
    - zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz (som da broca)
    - Argsh glsshs cof, cof.
    - Doeu?
    - Não, não. Eu estou fazendo assim porque pretendo participar de um concurso mundial de caretas via Youtube e preciso treinar para competir com milhões de pessoas, então treino todo o tempo!
    Muito bom.
    Abraço.

    Tsu,
    O caso Coringa-Arlequina é de enlouquecer qualquer um.
    Sabia que ela foi criada no desenho do Batman e depois passou para as hqs?
    Normalmente ocorre o contrário.
    E O Feitiço de Áquila é um dos poucos filmes que conheço que nunca vi ninguém falar mal, o que faz dele realmente especial.
    Abraço.

    Van,
    Por pior que seja nosso dia, sempre resta tempo para agradecer aos amigos, já que eles fazem o mesmo por nós.
    Obrigado.

    Ma,
    Normalmente eu escrevo sorrindo e consigo passar o que penso para quem lê, o que é bastante recompensador.
    Abraço.

    Bento,
    Eu sigo o Millôr o Twitter e ele é simplesmente genial.
    Agradeço aos elogios e, se algo não dá trabalho para ser escrito, não dá prazer ao ser lido.
    Abraço.

    Rodrigo,
    Você me fez lembrar da fábula dos dois macacos que estavam sobre os trilhos. Quando um trem vem na direção deles, um avisa o outro para tirar o rabo de cima dos trilhos e se esquece de seu próprio rabo, que é decepado.
    Valeu.

    Jorge,
    Tem gente que se esconde atrás de roupas, comportamentos, convenções, ou o que seja.
    Acho que isso não vale a pena.
    Deve-se ser aquilo que é e pronto.
    Abraço.

    Paulo Cesar,
    Talvez a ausência de diálogo seja o maior defeito na relação entre pais e filhos atualmente.
    Quem é pai de verdade não deixa isso ocorrer.
    Obrigado.

    Evaldo,
    Acho que quando um relacionamento entre pai e filho não vai bem, a culpa é dos dois.
    Abraço.

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  12. O texto está excelente. Hilário, com todas as letras; e de uma criatividade absurda. Mas eu não concordo com o que as pessoas afirmaram em alguns dos comentários.

    O psicólogo não tem mais problemas que as demais pessoas; não essa absorção em relação aos problemas de seus pacientes. Um psicólogo tem problemas, sim, como toda e qualquer pessoa; mas são os problemas dele, que a vida lhe deu ou que ele mesmo procurou (pois é também passível de erros).

    Até, Jacques!

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  13. Consertando: não HÁ essa absorção em relação aos problemas de seus pacientes.

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  14. Acho que o pessoal quis dizer é que PODEM HAVER psicólogos que absorvam os problemas alheios, Barbara.
    Afinal de contas, eles são apenas humanos, como você citou.
    E ser humano é não ser perfeito.
    Valeu, Barbara.

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  15. Jacques, a minha infância também foi super normal: eu pegava gatos pelo rabo, girava o bicho e jogava-os barranco abaixo só para vê-los caírem de pé!

    Mas nada supera as normalidades do meu primo, uma espécie de Tom Sawyer paulistano - eu muito longe de ser um Huckleberry. Uma vez ele pegou um gato e colocou dentro do vaso sanitário e queria puxar a descarga. "Você espera lá fora pra ver o gato sair pelo esgoto", disse ele pra mim. Felizmente pro bichano - e infelizmente para os moleques - minha tia chegou e acabou com a experiência.

    - Antes de falarmos de sua mãe, fale-me dos gatos!

    Bom, deixa pra lá. O seu texto, como sempre, muito bom. Curioso como muitas vezes acontece - infelizmente - o fato dos pais não conhecerem os filhos e vice-versa, por falta de diálogo e atenção. E assim um ambiente que poderia ser alegre e harmonioso pode tornar-se um ambiente hostil - sim, há famílias cuja convivência é bem complicada - em que a busca por "culpados" é permanente. E assim qualquer motivo fútil vira uma briga. E dá-lhe acusação o tempo todo!

    Insuportável, assim.

    - Ok, ficamos por aqui. Volte na semana que vem.
    - Providencia uma água ou um biscoitinho, né?
    - O caso é grave: sua mãe o privou de água e biscoitinhos na infância. Vou marcar uma sessão extra pra você.

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  16. A inversão de papéis aí foi ótima... hehehe...

    E gradativamente divertida, sem esquecer as críticas familiares e de relacionamento embutidas.

    Muito bom!!!

    Abrs

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  17. Oi Jacques,
    Uma crônica muito bem escrita e super divertida.
    Creio que os psicólogos e psiquiatras acabam precisando de terapia, de tanto lidarem com problemas alheios. Pelo menos, conheço alguns psiquiatras que efetivamente fazem a terapia.
    Gostei demais e foi uma prazer passar por aqui.
    Grande abraço.

    PS: Obrigada pela visita e pelos comentários nos meus últimos posts.

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  18. Nietzche a muito já dizia lá em seu "Crepúsculo dos Ídolos": o maior de todos os psicólogos foi Dostoiévsky... E se quiser, enfim, consultá-lo ele sempre estará esperando em meio aos grandes clássicos universais da literatura terapêutiica e intimista da alma...

    Obrigado pelos parabéns... E não tenho vindo muito por falta de tempo mesmo....
    Abraço!!!

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  19. Jaime,
    Ao que tudo indica, "infância normal" é um termo auto-contraditório.
    Se não tiver adulto por perto pra colocar freio nas situações, a coisa descamba de vez.
    Depois crescemos e descobrimos porque os adultos são tão chatos, quando na verdade, adultos apenas tem mais noção de perigo e maior sabedoria.
    Pena que isso não se aplique a todos os pais.
    Abraço.

    Marcel,
    Dizem que o humor deve ser crítico, senão vira bobagem.
    Verdade verdadeira.
    Abraço, meu caro.

    Vera Lúcia,
    Prazer maior do que escrever é saber que pessoas de bem gostaram daquilo que criei.
    E procurarei passar em seu agradabilíssimo site sempre que der.
    Obrigado.

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  20. "Psicólogo é como roqueiro antes da fama, e psiquiatra é o roqueiro depois dela."

    hahaha,achei genial. psicologos e psiquiatras existem há um tempão, mas ultimamente eles estão tão sobre-carregados com as, digamos, doenças contemporâneas, que é de se pensar que eles também precisem de analistas, rs.
    abração!

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  21. Perfeito: a inversão de papéis denota o que na realidade e passa em tantas famílias.
    Boa semana.
    Bj

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  22. Espetacular a crônica. Esta difícil controlar a juventude de hoje. Essa é a realidade em muitas famílias. Concordo com essa frase: Psicólogo é como roqueiro antes da fama, e psiquiatra é o roqueiro depois dela. Beijos e ótima semana.

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  23. Ri muito,Jac!!!rsrsrs
    Muito legal,e BEM verdadeiro em algumas famílias.
    Vc conseguiu contar um problema sério de racionamento de maneira divertida, irônica,e muito acida...rsrs
    Amei!Que bom que o encontrei.Mais um pra minha lista de preferidos.
    Bjka

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  24. Vinícius,
    Assim como o trabalho de quem é professor, o de psicólogos e psiquiatras só tende a aumentar, infelizmente.
    Valeu.

    Blue Shell,
    Acho que, na maioria das vezes, a inversão de papéis ocorre de forma involuntária.
    Abraço.

    Smareis,
    Está difícil e problemático lidar com os jovens de hoje, já que seus pais não tem tempo de lhe darem atenção.
    Obrigado.

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  25. Maravilha! essa terapia inversa deveria ser usada com frequência, pois seria extremamente benéfica.
    Os ditos "culpados" nem sempre conhecem os sentimentos dos que com eles convivem. E o diálogo ainda é a melhor e indispensável maneira de se chegar a um entendimento.
    Bjs.

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  26. Falou tudo, Marilene.
    Abraço, moça.

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