sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Duplicidade Cômica - A Morte e Woody Allen

Uma figura lúgubre, de andar pesado, portando um capuz e uma foice bate à porta do apartamento do intelectualmente auto promovido Woody Allen e fala:

- Abra, criatura infimamente desprezível! Sou eu, o Ceifador! Eu vim para levá-lo! E não adianta tentar se esconder atrás de seu ego não, que minha incontável experiência e inigualável sabedoria podem perscrutar os lugares mais inatingíveis da Criação!

Woody Allen atende a porta, e, com um mau humor de crítico literário mediano contrariado, responde:

- Isso é alguma brincadeira? Quem te deu o meu endereço, hein?!? Se bem que isso tem cara de ser essas típicas pegadinhas americanas, de programas medíocres que gostam de ganhar audiência em cima de famosos... Algo como "Jackass" ou na linha daquele antigo programa bobão do Ashton Kutcher. E você deve ser mais um desses pseudo-humoristas-de-rua que precisam ganhar a vida pregando peças em cima de gente conhecida... Acertei, não foi? Se bem que sua última frase me lembrou muito James Cameron!!! É você, Jim?

- Posso afirmar-lhe, criatura insuportável, que o término de sua existência terrena é um assunto deveras sério. Muito mais sério do que seus últimos filmes. E bem menos chato, pra dizer a verdade. E eu sei o endereço de todos os seres pensantes do Universo, o que me dá um pouco de dor de cabeça, ás vezes. Para diminuí-la e me distrair, assisto comediotas como "Jackass" e os filmes do James Cameron... Se bem que, agora que você mencionou, acho que gosto deles pelo fato deles assassinarem o bom gosto de formas cada vez mais originais. E já tive diversos nomes em minha... Vida? He, he... Que irônico... Nomes como "Coletor de Almas", "Madrecita!", "Acho que o freio não tá bom, não...", "Sentei na graxa!", entre diversos outros. Não que minha designação faça alguma diferença para você...

- Olha, eu não tenho muito tempo de ficar aqui ouvindo suas diversas nomenclaturas e sequer me importo se você gosta ou não dos meus filmes, só acho que quem deveria morrer na minha frente era o Michael Bay... Acha mesmo que o responsável por Transformers merece mais tempo de vida do que eu??? E o que dizer de criaturas como Kennie West, Britney Spears e Justin Bieber ainda vivos?!? Desculpe toda essa minha sinceridade, mas acho que você deveria rever melhor essa sua listinha mortal, não acha?

- Michael Bay faz filmes horrorosos que arrecadam milhões achando que faz obras primas. Ele já está morto e não sabe. E os artistas que você citou tem um importante papel a cumprir na História da Humanidade. Não faço ideia de qual seja, pois existem mistérios insolúveis até mesmo para mim. E você deveria aceitar que chegou sua hora. Assim como os impostos, reclamação de petista e o show de fim de ano do Roberto Carlos, EU sou imutável, inflexível e intransponível! Basta de enrolação filosófica mais vazia que o Congresso Nacional brasileiro no Natal! VOCÊ VEM COMIGO E FIM DE DISCUSSÃO!

- Poxa, você quer me levar justamente quando estou pensando em fazer um filme sobre a Morte??? Não quer esperar eu terminar a realização desse novo projeto cinematográfico? Acho que você iria gostar de verdade... Confie em mim! Estou caprichando no roteiro! Podemos fazer esse trato, então? Quando eu terminar esse novo filme, eu vou com você sem qualquer complicação.Topa?

- Hmmm... Um lampejo de bom senso perante o fim iminente, hein? Negociar comigo por mais um tempo de vida? Você não seria o primeiro a fazer isso. E pensando bem, nem será o último. Desde o magnífico – para sua espécie cognitivamente limitada - filme O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman que eu não sou retratado de forma esteticamente apropriada no cinema. Por incrível que pareça, meu humor melhorou. Da última fez que isso ocorreu, Istambul ainda se chamava Constantinopla. E o que você sugere? E não estaria tentando me enganar, não é? Seu ego não pode ser tão grande assim. Mas posso estar enganado...

- Não, claro que não quero te enganar! Era apenas uma chance de você primeiro deixar que eu terminasse o meu filme sobre... Você! E Ingmar Bergman era muito "meticuloso", eu diria delicado demais. Eu já tratarei sua presença e personalidade no cinema de forma mais ousada e original... Até porquê, quem irá fazer você não será mais aquele posudo com cara de pedra do Max von Sydow, e sim Jack Nicholson, que transmitirá muito mais energia e empolgação à sua figura!!! Acontece que esse filme ficará pronto em 2030, tenho mais uns 18 anos pela frente, se você concordar. E, definitivamente, estou sendo sincero nesse trato, afinal, eu já consegui enganar a morte uma vez... Ou como você acha que consegui escapar de morrer quando Mia Farrow me pegou com a minha enteada, lá em 1992? Mas, voltando ao filme... Você prefere Anthony Hopkins no lugar de Nicholson?

- Sem desmerecer o imortal talento destes mortais, mas eu prefiro Brad Pitt, que já provou que pode me encarnar muitíssimo bem em Encontro Marcado. E você só escapou fisicamente ileso naquela ocasião porque eu achei que a humilhação pública lhe serviria de lição. Mas vejo que me enganei. E aquela foi uma péssima forma de terminar o seu... Affairow! Ora essa, eu disse que meu humor havia mudado! Fiz até uma piada! Estava morrendo de vontade de fazer isso! Está certo, não foi uma maravilha de piada, mas eu tenho tempo para melhorar minha performance neste recém descoberto passatempo. Todo o tempo do mundo. E caso tente me enganar, projeto de alguma coisa fútil, lembre-se que eu posso torná-lo imortal, para que passe a Eternidade percebendo o quanto é desprezível. Ah, eu faria isso. Faria mesmo. É só me dar um motivo...


Este foi o texto de estreia em parceria com o amigo blogueiro Marcel Camp, que assim como eu, tenta mostrar que o humor pode e deve ser levado a sério. Ms não muito, senão estraga.

Woody Allen - Marcel Camp (http://vemaquinomeublog.blogspot.com/)
Morte - Jacques Beduhn

15 comentários:

  1. Diálogo interessante (rss)! A abordagem dos trabalhos cinematográficos, dessa forma cômica, é mais agradável que os próprios filmes. E sou apaixonada por eles.
    Sua parceria deu certo! Parabéns a ambos!

    Bjs.

    ResponderExcluir
  2. Ficou muito bacana Jacques, um texto crítico, com um humor refinado e criativo.

    Adorei!

    Bom final de semana, beijos!

    ResponderExcluir
  3. Gostei.

    A parceria ficou excelente. O diálogo de vocês tem sátiras com mais humor do que os filmes do Hoody Allen. Os filmes são satíricos, porém sem graça.
    O texto é todo engraçado, como nessas frases da morte x Hood:

    - “Hmmm... um lampejo de bom senso perante o fim iminente, hein?...”
    - “Não, claro que não quero te enganar!...”

    Morte é coisa séria, aqui tratada com humor inteligente.
    Um abraço, Jacques.

    ResponderExcluir
  4. Jacques, sensacional a maneira inteligente como faz a ligação de todos os filmes usando como instrumento uma abordagem manifestada no humor, mas que não deixou dúvida alguma do seu real propósito. Só um talento como você para fazer tal proeza. Obviamente parabéns a essa parceria, que promete. Um grande abraço.

    ResponderExcluir
  5. Jacques e Marcel!
    Nossa! Muito bom o texto de vocês!
    Parceria show!
    Em alguns momentos me perdi um pouco, não sabia quem era o Jacques e quem era o Marcel.
    Tudo a ver essa parceria, e olha..., que sigam tá bom? O trabalho de vocês me pareceu muito bem casado!
    Humor inteligente, refinado e culto! Quer mais?

    Abração aos dois :)

    ResponderExcluir
  6. Foi um grande prazer e uma grande honra iniciar essa parceria com o Jacques, que tem um humor sempre inteligente e sagaz! As respostas da Morte (ou dele, como queiram, rs) sempre me faziam rir!!! rs

    Abrs cara, e vamos continuar sim!

    ResponderExcluir
  7. Oi, Jacques!

    Tem um livrinho do sr. Allen chamado "Cuca Fundida" onde encontramos uma peça interessante com a Dona Morte jogando biriba com um tal Art ou Nat, agora não me recordo do nome do sujeito. Só sei que a Dona Morte, de novo, é passada para trás, tal como aconteceu quando ela encarou o Max Von Sidow em "O sétimo selo" - só que Dona Morte, ah, ela não desiste tão fácil e algum tempo depois levou o Padre Von Sidow em "O Exorcista".

    Portanto, não tem jeito para o sr. Allen. A não ser a imortalidade. Ou então o sr. Allen evoca Mefisto e dá uma de Fausto ( não o Silva!)e sai por aí seduzindo mocinhas ingênuas e sonhadoras, brigando com bêbados e frequentando festas com bichos estranhos e seres esquisitos - pra depois transformar tudo isso em filme! :(

    Abraço! E parabéns pela excelente parceria!

    ResponderExcluir
  8. jacques,
    se houver um plebiscito em torno da ideia de a morte levar, já, woody allen, eu voto contra. a minha relação com ele é de amor/ódio, havendo fases em que adoro o que faz e outras em que não suporto os seus filmes. mas, inegavelmente, é alguém que define a sua linha, à revelia dos cânones e do impacto da sua obra.
    um abraço, agradecendo ao par este delicioso diálogo, num improvável encontro com a morte!

    ResponderExcluir
  9. Agradeço sua sugestão, pois não conheço a obra.
    Ele me é uma pessoa estranha, mas o lado que evidenciou, como conteúdo do livro, desperta curiosidade.
    Bjs.

    ResponderExcluir
  10. Muito bom esse texto de vocês. A parceria ficou excelente,o humor é bem inteligente.Gostei muito. Parabéns aos dois. Abraço e ótima semana.

    ResponderExcluir
  11. Parabéns a ambos pela imortal produção literária. O texto ficou parecendo um roterio para uma apresentação de humor (daquelas que valem a pena a gente ir, diante da pobreza que tem se tornado o humor nacional). Abração, Jaques. Paz e bem.

    ResponderExcluir
  12. Eu gosto de W. A. de um modo muito especial: não é paixão...mas também não é indiferença (não se é indiferente a W.A.)...não sei explicar! é complexo...ora gosto...ora detesto...entesndes?
    Esse texto, em parceria...é "forte" à sua maneira! E é verdade...levar a sério...estraga!

    ResponderExcluir
  13. Jacques,

    esse livrinho "Cuca Fundida" tem alguns contos bem engraçados mesmo, gostei. E o prefácio do Ruy Castro é divertido, também. "Sem plumas" eu já vi na livraria, talvez eu adquira em breve. Vai entrar na fila rs

    Não posso dizer da atual produção do sr. Allen porque não me ligo em cinema e tampouco nas obras dele mais recentes. Mas é uma situação previsível: se tem uma legião de fãs que endeusam qualquer bobagem que ele faça, então ele continuará fazendo bobagens.

    Abraço, colorado! E o Lourival até que tá aguentando bem por aí...

    ResponderExcluir
  14. Oi, Jacques e Marcel!
    O texto está tão sincrônico que, se não falasse, jamais saberíamos que é de um dueto.
    Woody Allen está que nem Sísifo tentando enganar a morte com a lábia.
    Caras, comecei a rir desde a imagem.
    O texto é muito divertido. O que me impressionou também foi o grande conhecimento que vocês têm da causa.
    O humor de vocês é de alto nível.

    Parabéns pela virtuosidade e pela parceria perfeita!

    Abraços para ambos!

    ResponderExcluir
  15. hehe, muito bom.Woody allen é aquele neurótico que me passa sempre a sensação de alguém que não consegue coçar uma coceira.O texto ficou muito legal, realmente como disseram acima eu não teria pensado que são duas pessoas escrevendo. parabéns!
    até mais!

    ResponderExcluir