Alguns milhares de anos atrás, no período A. C. (Antes das
Construções), em uma caverna qualquer.
- Pessoal, vocês precisam acreditar em mim, o mundo lá fora
é totalmente diferente do que podemos ver daqui de dentro!
- Deixe-me adivinhar: você andou tomando fungo fervido de
novo? Nós já discutimos que...
- É, eu admito, andei tomando samambaia fervida outra vez,
que não tem gosto de nada, mas ainda é melhor do que tomar a mesma água dos
ptármigas e ursodontes! Mas o que quero dizer é que existe todo um mundo lá
fora que não conhecemos que está cheio de...
- Feras horríveis que nos devorariam antes que pudéssemos
dizer “UGA BUGA! BALACUBACO! ESQUINDÔ!”.
- E... O que... O que
quer dizer isso?
- Nada em especial. É só um exemplo do desperdício de tempo
que é ir lá fora, já que nada que dissermos poderá fazer com que aqueles bichos
parem de nos perseguir. E de nada adianta tentar falar com quem não está
disposto a entender.
- Sei muito bem como é isso. Mas, por mais perigosamente
instável que seja lá fora, pode vir a valer a pena se...
- Nos unirmos e colocarmos os predadores para correr? Boa! Ah,
mas aí, nós nos tornaremos os novos predadores e nossas presas acabariam se
unindo para nos caçar. Não, obrigado.
- Pode ser que isso venha a ocorrer, mas sempre temos de
pensar positivamente e estarmos abertos a ideias novas. Olha o Blord, por
exemplo, usou o fogo para criar um serviço de afugentadores de feras com ele e
agora tem conchas suficientes pra mandar construir uma caverna com rio e fonte
termal própria! E tudo porque ele arriscou sair da caverna.
- Mas Blord não inventou o fogo, ele o achou em um dia de
tempestade e só aprendeu a usá-lo para espantar alguns tigres dentes de sabre
que queriam usá-lo como brinquedo de arranhar.
- E isso fez com que os tigres passassem a temê-lo mais do
que a um bando de dodôs sofrendo de ataque de piolhos! Ele usou algo que já
existia de uma forma diferente, e o resultado foi algo inteiramente novo e...
- Mais perigoso do que um enxame de formigaivotas com
raiva por terem seu ninho invadido por predadores famintos.
- Concordo, o fogo é perigoso, mas, assim como o
conhecimento, se usado da maneira correta, pode trazer benefícios.
- Como o que? Conhecimento? O que vem a ser isso?
- É a forma como passamos nossa sabedoria às...
- Hein?
- Ai, ai. É a forma como passamos adiante aquilo que
aprendemos durante nossa curta e abruptamente interrompível vida.
- E... Para que faríamos tal coisa?
- Para que nossos descendentes não trilhem um caminho... He,
he. Descendente. Ou seja, para que não cometam os mesmos erros que nós.
- Hmm. E porque deveríamos fazer isso por eles? O que foi
que os folgados fizeram por nós?
- Err. Nada.
- Isso mesmo, porque...
- Porque ainda não nasceram!
- Pff! Desculpas...
- Como a que você está dando agora para continuar plantado
aqui dentro a vida toda, tipo um cogumelo que está devendo até o próprio tronco.
- Acontece que se eu não sobreviver, não deixarei
descendentes. E ninguém poderá contar a história de minha vida, que...
- Foi desperdiçada aqui dentro, com medo da própria sombra? Acho
que podemos dizer que, se passamos a vida nas sombras, nada mais temos do que
uma sombra de vida. Mas o que quero dizer é que se não sair daqui de dentro,
não poderá viver verdadeiramente.
- Hmm. Então, basicamente, eu tenho de escolher entre uma
vida mais chata do que caracol com insônia -porém mais segura - ou mais
perigosa do que gatossauro com medo da chuva mas que, segundo você, poderá
valer a pena?
- Sim, exatamente! E quem disse que aqui dentro é seguro?
Pode ocorrer de o teto desabar em cima de você ou as baratartarugas o atacarem
enquanto estiver dormindo.
- É. Pode acontecer.
- Sim. Indo ou vindo, o teto pode acabar caindo! Mas não
devemos temer nada, afinal, sabe o que faz de nós homens?
- Nossas... Roupas feitas de... Animais?
- Nada disso! O que fez com que nos tornaremos, em um futuro
longínquo, os mestres e dominadores deste mundo, subjugando as temíveis bestas
e esculpindo a face da História com nossa teimosia, cabeçadurismo, curiosidade
e, principalmente, aquilo que chamamos de...
- Sorte?
- Instinto!
Chiiiiii!
ResponderExcluirDeu-me um relativo baixastral... ou um choque de realidade rsrsrsrs
Abração
Jan
Jacques, o medo acomoda e impede que conheçamos realidades diferentes daquela em que nos escondemos. Há pessimismo quando se desmerece conquistas, julgando que tudo acontece por sorte. Eus eguia esse caminho na leitura de seu texto, quando me deparei com final (rss). Surpreendeu-me. Bjs.
ResponderExcluirOlá Jacques,
ResponderExcluirFechar-se no próprio mundo por medo ou desesperança impede o crescimento, além da própria mudança ou de outrem. Por pior que que possa parecer uma situação, enfrentando-a sempre poderemos modificá-la, ainda que pareça que nossos gritos não sejam ouvidos.
Grande sabedoria nestas palavras: "...se passamos a vida nas sombras, nada mais temos do que uma sombra de vida." Arriscar-se é a maneira de fazer novas descobertas e de um viver mais intenso. De que vale a vida sem adrenalina? A acomodação leva a uma vida desinteressante e sem brilho. Viver é preciso, lutar é preciso. Os grandes homens foram aqueles que com coragem e ousadia desbravaram novos horizontes.
Fantástico o seu texto.
Grande abraço.
PS: Não sei se você observou que no final da minha postagem ('A grama do vizinho é mais verde?') eu mencionei que tal postagem foi inspirada num texto seu, intitulado 'O relâmpago do vizinho é sempre mais brilhante".
Senhor Jacques, guri de Pelotas!
ResponderExcluirTu escreves muito! Já te disse isso, mas repito.
Penso que o medo de viver é o maior e pior de todos, pois, obviamente, nos impede de viver, e... o que estamos fazendo aqui mesmo, né? Senão vivendo?
Recordei-me do filme do MontPyton (bah... é assim que se escreve?), "O sentido da vida", que penso, tu conheças, e abre algumas dessas questões tuas aqui.
Aqui, tu tens uma leitora assídua, embora uma comentarista mais ou menos:) mas que não te medo de comentar :)
Grande abraço e ótimos dias!
Olá, Boa noite,Jacques
ResponderExcluirtambém vou nessa linha de raciocínio ... algumas pessoas parecem conformar-se e resignam-se perante escolhas mal sucedidas, cedem ao medo de arriscar, escondem-se na sua caverna de conforto.Viver implica correr riscos, sim. Implica a possibilidade de nos expormos à rejeição e à perda mas implica sobretudo a possibilidade de experienciarmos emoções positivas muito intensas e isso é o que dá cor à vida de cada um. Quando uma pessoa proíbe a si mesma determinadas experiências porque tem medo, espera que o seu medo possa diminuir com a passagem do tempo mas, na realidade, esta evitação mantém o medo presente. Mas a única forma de confirmar que o nosso medo é prejudicial é sair da caverna de conforto e arriscar...
Obrigado pelo carinho, bela noite, belos dias,abraços!
Ora a minha receita : uma pitada de sorte...uma pitada de seriedade...uma pitada de instinto...uma pitada desses fungos malucos e...pé na estrava, vai trabalhar, malandro!!
ResponderExcluirAdorei.
Beijocas
Graça
OI JACQUES!
ResponderExcluirUMA HISTÓRIA DO TEMPO DAS CAVERNAS, MAS QUE PODE ESTAR OCORRENDO NESTE MOMENTO. ESCONDER-SE, NÃO NECESSARIAMENTE NUMA CAVERNA, É FUGIR, POR MEDO DO NOVO, MAS, É TAMBÉM DEIXAR DE VIVER.
EM TUA FORMA DIVERTIDA E INTELIGENTE DE ESCREVER, CONSEGUES PASSAR UMA BELA MENSAGEM TAMBÉM.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
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ResponderExcluir“Se temos de esperar, que seja para colher a semente boa que lançamos hoje no solo da vida. Se for para semear, então que seja para produzir milhões de sorrisos, de solidariedade e amizade.”
― Cora Coralina...
Com essa frase tão bonita deixo meu abraço de bom final de semana
elogiando mais uma vez seu belo post, tenha um bom domingo
___________Rita!!!!
Oi Jacques, menino inteligente
ResponderExcluirUltimamente estou como a lesma dentro desse caracol com insônia.Anteontem resolvi tomar chá de samambaia e sabe o que ganhei? O meu carro amassado na dianteira por um motorista lesma querendo correr mais do que podia. Se eu não freiasse a tempo, agora estaria entre as estrelas, presumo. Mas ainda bem que estou seguindo o seu conselho . Arriscar-se como o seu gatossauro. As vezes volto arranhado, mas vale a pena viver intensamente.Um grande abraço. Bom dia.
Olá Jacques! :)
ResponderExcluirComo estás?
Saudades de vir ler-te. Infelizmente, problemas informáticos e o trabalho têm-me mantido um pouco mais ausente que o habitual... Creio mesmo que desta vez terei de comprar um novo pc.
Em relação ao post, gostei muito da história - como sempre, cheia de humor e escrita de forma inteligente. Conheço pessoas que embora vivam na época D. C. - Depois das Construções, parecem ser da época A. C. - Antes das Construções. ;) Não só não abrem a sua mente para o conhecimento, como ainda tentou impedir que quem os rodeiam se desenvolvam.
Beijos,
Cris Henriques
http://oqueomeucoracaodiz.blogspot.com/
Oi Jacques, menino inteligente.
ResponderExcluirNão poderia deixar de vir aqui mesmo lesmando.
Que a sua Páscoa tenha sido cheio de alegria, paz e muita luz.
Um grande abraço.
Agradeço pelos comentários por lá, Jacques.
ResponderExcluirGrande abraço, guri de Pelotas!