Espaço interno

- Almeida, o que está fazendo?

- Estou passando o anti-vírus no computador, Chefe! Se eu não fizer isso ele pode... Sei lá... Ativar o modo de autodestruição e... Bem, tenho alguns planos para o futuro e fazer parte de uma cratera radioativa não é um deles.

- Hmm... E quem disse que essas trapizombas superdotadas fazem isso?

- E quem disse que não fazem?

- Bem pensado. Eu sempre lembro da história do celular que explodiu...

- E tudo que encontraram do dono dele foram alguns átomos? Pois é, todo mundo conhece essa história. Se bem que o sujeito que passou por isso estava usando o celular como pedra de afiar em uma faca enquanto abastecia o carro com combustível de foguete.

- Como assim? Não dá pra enxergar átomos, ora essa!

- Acho que isso aconteceu porque ele tinha o ego inflado. E, da mesma forma que não dá pra ver átomos, também não dá pra saber como estas traquitandas funcionam. O Sr. que é chefe, sabe?

- Bom... Aham... Tem a caixinha lá de baixo que você aperta o botãzinho de cima, mas não pode ficar apertando senão o seu dedo gruda e...

- Não, não foi isso que eu quis dizer, Chefe, eu me referi ao interior do aparelho.

- E... Tem interior, é?

- Tem, sim. Eu acho. Se bem que computador é igual casamento: pode trazer tanto alegrias quanto tristezas, é tão frágil quanto amigo de personagem principal de filme policial oitentista e provavelmente é mantido por...

- M.A.G.I.A. (Manipulação Assíncrona Gerada por Interferência Anti-científica)?

- Pode ser. O que explica porque partes fundamentalmente incompatíveis conseguem se unir gerando uma união que faz com que atue de forma nunca antes imaginada por nenhum de seus donos.

- Hein?

- Funciona de um jeito diferente do que normalmente funcionaria se estivesse separado. E, na imensa maioria das vezes, de uma forma melhorada.

- Isso QUANDO funciona, não?

- O Sr. está falando do computador, não é Chefe?

- Aham! Eu... Sim, mas é claro!

- Pois é. Acho que muita coisa funciona sem que saibamos como. Por exemplo, a matéria é, na maior parte, espaço tão vazio quanto um parque de diversões em uma quarta-feira de manhã.

- Verdade. É irônico que objetos, constituídos de espaço vazio em sua maioria, possam nos machucar e até matar. Acho que é verdade que dizem que o vazio machuca.

- Deve ser por isso que as pessoas casam, não, Chefe? Para tentarem preencher o vazio da alma. E tornar o Universo de cada um muito maior do que poderia ser sozinho.

- Provavelmente, Almeida.

- Curiosamente, também não se sabe do que o Universo é formado, o que significa que...

- Sempre haverá espaço vazio em algum lugar, como no seu cargo se você continuar a filosofar ao invés de trabalhar! É essencial que...

- O essencial é invisível aos olhos, Chefe.

- Bela frase, meu jovem.

- Não é minha não, Chefe, é do livro O Pequeno Príncipe, de Antoine Saint-Exupéry.

- Hmm... Então quer dizer que você se recusa a receber o crédito por algo que não criou, estou certo, Almeida?

- Exato, Sr.

- Continue assim, meu jovem. Estarei vigiando você. Como um...

- Anti-vírus desatualizado sofrendo de transtorno obsessivo compulsivo?

- Hmmm... Mais ou menos isso.

- E vai fazer isso sem que eu veja, certo Chefe?

- Exato.